:: não 'obvio

julho 21, 2020


o óbvio chateia-me.
na vida, nos gostos, até nas pessoas, prefiro sempre o inesperado. aquela música nova, aquele canto da cidade desconhecido, um sorriso completamente original. não vejo a beleza como um padrão, mas como algo que se (re)inventa todos os dias. não percebo as pessoas que só gostam de um estilo, que têm um perfil do que "gostam". acho que isso é simplesmente preguiça e comodismo - mental, acima de tudo. eu gosto de não ter um guide book. pelo contrário adoro ver a beleza nas mais inesperadas coisas. do jazz da etiópia, às batidas do Masego. da arquitectura branca de um monte alentejano, às obras primas do niemeyer. da simplicidade de uma sopa de cação, à complexidade da cozinha molecular. de roupa cool-afro, à elegância de uns louboutin.
a beleza é por si, não pelo estilo que representa.

e engraçado, que para partilhar as coisas que me inspiram tenho de me dividir entre amigos "óbvios" - já sei qual é que vai perceber aquela música, aquele texto, ou aquela imagem. são raros - mas por isso perfeitos - as pessoas com quem posso partilhar tudo. e claro, são também elas não óbvias. e por isso, as amo tanto. não há nada que mais me orgulhe do que navegar entre mundos diferentes. ter nascido numa aldeia da bairrada, mas ser um verdadeiro city addict. cantar do fado de Coimbra, ao mais rockabilly, ao grunge, ao R&B, aos afrobeats, ou sentir uma ligação tão forte aos sons da lusofonia africana. adoro saber rir com as avós da minha rua, com o mais tecnólogo geek da faculdade, ou com o CEO mais político. ou, sublime, ser chamado pelos meus sobrinhos adoptivos de "the blackest white".

o melhor do não óbvio é que nos dá a capacidade de viver várias vidas numa só. de apreciar mais e melhor. e acima de tudo de conhecer sempre um pouco mais além - mais uma experiência, mais um sabor, mais um sorriso cativado. temos de ser resilientes, porque é um teste permanente ao comodismo, a uma forma confortável de passar pela vida. porventura também ela agradável. aceito. mas para mim, não há nada mais bonito que ver alguém - tenha 20, 40 , ou 60 anos - a ficar maravilhado por alguma forma nova de beleza. é sentir o cérebro, e a alma, a ser cada dia, um bocadinho maior. e completa. isto se calhar até é óbvio, eu é que não sabia.

ps: a música dos Khruangbin (e a Laura Lee) é tão não-obviamente bonita..


:: soul mate

dezembro 28, 2018


há quem associe a alma a algo poético, quase místico, que apenas existe de forma simbólica. já eu vejo a alma de quem me rodeia todos os dias, nas coisas mais pequenas da vida. uma música, uma imagem, uma frase, uma forma de estar, de viver. isso para mim é a alma, aquela coisa que nos distingue e identifica sem sabermos explicar o que é. e as almas gémeas conhecem-se aí: na forma igual como olham para o mundo, como completam as frases que o outro diz, como pensam da mesma maneira, como, ao longo dos anos, crescem no mesmo sentido. como evoluem iguais.

por isso, fui perdendo muitos amigos ao longo da vida. pessoas doces, adoráveis, próximas, mas que no fim do dia descobrimos que não tínhamos a mesma alma. que a vida que queríamos viver era diferente, incompatível. com a idade - ou direi antes, com a maturidade - fui percebendo que não tem mal deixar cair quem não me energiza. que não tem mal ficar mais longe de quem não sente o mesmo pulsar no dia. porque o tempo não dá para tudo e temos de optar por quem nos completa. simples. estaremos lá se for preciso. mas não estamos lá sempre que é possível.

por isso, fui encontrando muitas almas gémeas ao longo da vida. são poucas, mas são a sério. aquelas pessoas que não falamos meses, mas com quem se partilha uma música nova e a outra pessoa diz: descobri isso ontem. era impossível. as almas iguais conhecem-se na diferença: deliramos com a mesma imagem que mais ninguém se apercebeu, ouvimos o mesmo vinyl que mais ninguém ouve, comemos o mesmo sabor agri-doce picante que mais ninguém quer experimentar. sim, porque escolhemos sempre o mesmo prato da ementa, mesmo quando é todos os dias diferente. estas almas tem hábitos tão estupidamente iguais que irritam, como simplesmente não usar guarda-chuva. só porque não. coisas destas, tão pequenas, mas que sabemos, por isso, tão estranhamente únicas. por serem tão próximas, é lindo quando fazemos algo - um gesto ou uma acção - que emociona essa pessoa. porque o brilho dos olhos é igual, em quem dá e em quem recebe. são coisas, pequenas, mas nossas.
só, estranhamente, nossas. 


:: espelho meu

setembro 02, 2018


gostos de filmes que são espelho. daqueles em que me vejo no ecrã.
daqueles filmes que nos fazem pensar na nossa vida, em que passamos mais tempo dentro das personagens, do que apenas a olhar a história. no ultimo que vi, mr jarvis cocker sai-se com uma observação filosófica: 'a vida é igual para todos, o que nos distingue é a dose de imaginação que cada um põe nela'. tão simples. e é para isso que servem os filmes, quase uma forma de nos vermos nas palavras dos outros, na forma de viver de outros. e, se pensar um pouco, se calhar é assim que faço nos dias: ando sempre por perto dos espelhos em que gosto de me ver. é um bom conceito.

com o que vemos no reflexo das pessoas, definimo-nos, não pelo que queremos ser, mas pelo que somos de verdade. não pela intenção, mas pelo resultado dessa coisa tão delicada que se chama intimidade. são mais tristes as pessoas que não têm espelhos. ou que os evitam porque não se querem ver. ou pior, porque não gostam de se ver. porque custa confiar no vidro. é frágil. e às vezes os espelhos partem, e por mais que se cole, que se remende, fica lá sempre aquele risco, feito cicatriz, a cortar a imagem limpa. faz parte do jogo. aliás, é aqui que entendo que muito do que somos, devemos aos outros. porque há pessoas que me fazem mais - mais divertido, mais leve, mais homem. há pessoas que me tornam um ser melhor, apenas pela forma como me entendem, me percebem, pela forma como tornam fácil partilhar essa intimidade. são espelhos em que nos fazemos bonitos. deve ser por isso, que gosto tanto de te dizer: 'és tu, quem me faz mais inteiro..'

mas, o que vibro mesmo, é ser o espelho das pessoas que gosto. saber que em mim sorriem, choram, descobrem, emocionam-se, excitam-se, amam. vivem. quase vício, é um privilégio sermos o reflexo de alguém. quase emoção, é ver alguém a ganhar expressão por nós, a ter aquele briho nos olhos quando nos vê, a soltar aquele sorriso tonto, feito berro, quando dizemos uma tolice. a escorrer uma lágrima por nossa causa, daquelas boas, quando se sabe que não se pode ser mais feliz, do que ali, naquele momento. mas curioso, nos espelhos "humanos" não vemos o nossa imagem reflexo. pelo contrário, vemos apenas o que a nossa presença provoca nos outros. é menos narcísico e muito mais doce. porque é isso amar: é projectar no outro todo o bem que lhe queremos. e sermos realizados assim. "em ti, faço-me feliz!" - deve ser a frase mais bonita, não de se dizer a alguém, mas de se sentir em alguém..


:: dos beijos, muitos.

outubro 27, 2017


gosto de dar beijos. muitos.
porque tudo num beijo tem algo de mistério. começa na vontade de beijar, que vem não se sabe onde, lá dentro de nós. aquela atracção por um pedaço de ombro, por um pescoço destapado, ou por uma mão parada na nossa. um olho que nos fita, ou apenas uns lábios semi-cerrados. aquele arrepio de sentir a pele no nosso lábio, a mexer-se ainda mais lento que o vento na rua. sim, porque os beijos falam, dizem coisas: a rapidez com que os damos, o toque, a química, o tempo - quase cinema - quando paramos dois segundos num beijo na maçã do rosto. diz: ternura pura.

gosto de inventar beijos. todos os dias.
o mais bonito da arte de beijar é que podemos criar mil formas de os entregar. beija-se quando se escreve um texto para alguém, beija-se quando no meio do dia nos preocupamos em saber do outro, só porque sim. beija-se quando se escolhe aquela música, que sabemos vai acertar em cheio. beija-se quando se planeia de véspera um jantar a dois, para deixar o desejo respirar o dia inteiro. beija-se quando se fotografa o outro num momento inesperado, num sorriso desprevenido. há beijos que são isso, gestos que nos fazem sentir queridos, mimados, cuidados.

gosto de falar com beijos. com o corpo junto.
falar sem voz, só com o beijo, é das formas mais bonitas de intimidade. a forma como beijas a pele diz ao que vais: safado ou ternura. abraço, ou languidão. a duração, a forma como pressionas a outra pele, ou a outra boca. quando mordes, quando trincas, quando jingas e danças no beijo. é mais que prazer, amor. um beijo, bem dado, intensifica tudo. uma noite de amor, o momento de explosão, ou apenas o que vem depois, naquele momento de recuperar a respiração num abraço longo, em que dizes boa noite, com um beijo quase silêncio, no corpo bem junto..


:: dança, solta

agosto 17, 2016


gosto de pessoas que dançam. daquelas que se abanam ao primeiro ritmo que lhes salta ao ouvido. que é diferente das pessoas que vão dançar. as pessoas que dançam fazem-no a toda a hora, no carro no meio do trânsito, no balcão da cozinha a fazer o jantar, apenas no corredor enquanto se vestem, na janela durante o cigarro. ou, ainda melhor, enquanto namoram a caminho do quarto. nada é mais bonito que alguém que tem a noção do ritmo, que lhe entra no corpo e que liberta apenas alguns bocados de músculo, um ombro que levanta, uma anca que desliza apenas uns centímetros, duas pernas a quebrarem lentamente, ou apenas a cabeça embalada pelo tronco.

as pessoas que dançam não sabem como o fazem. não tem coreografia ou técnica. sai-lhes, solto, em forma inconsciente de movimento. às vezes ficam sem jeito, no meio da rua, com o vizinho a olhar. mas que se lixe, sabe tão bem, dançar no carro, na rua, no meio das vinhas, em cima do muro. ou tirar os sapatos e dançar na terra, na praia, na relva fresca. é terapêutico pôr a música bem alta e deixar-se ir pela casa, corpo solto a sentir o flow: às vezes acelerado, outras mais calmo, umas vezes mais ritmado, outras mais languidamente lento - e junto. gosto especialmente de ver alguém a dançar sem saber que estou ali (ou mesmo sabendo, puramente a ignorar que estou), mas no maior gozo de quem se sabe bonita apenas por ser assim, solta.  

atraem-me em particular as pessoas que sorriem enquanto dançam. que puramente estão a divertir-se, naquele bocado de corpo que mexe. ou mais bonito, quando nos fitam e se riem primeiro no olhar, e só depois no rosto, enquanto se aproximam. há pessoas que dançam assim o dia todo, estejam longe ou perto, visíveis ou afastadas. basta uma mensagem, um beijo, uma telefonema e sente-se o braço a puxar, a embalar no ritmo. a melhor dança? é essa, a dois. noite dentro entre jantar, um copo demorado, muitos beijos longos e amores prometidos. ou depois, no fim, a dança dos meus dedos nas tuas costas, lentos, até adormeceres, também com um sorriso, solto..

:: força

abril 20, 2016


vem nos livros que o que liga duas pessoas é o amor que se tem ao outro. aquela vontade de querer estar, a ansiedade do abraço, as saudades da presença. vem nos livros que a dimensão do amor vem da intensidade do que se vive, e da falta do que não se vive. assim, é o manter da chama, desse ardor de quem se gosta, que faz com as histórias sejam eternas. que perpetuem as horas em dias, os meses em anos. acrescento eu, que mais que o amor, é a alegria do estar que verdadeiramente constrói uma relação. mais ou menos romântico, é a capacidade de fazer rir, de fazer aproveitar cada momento, de apreciar um pôr-do-sol, uma música, ou simplesmente um café quente logo pela manhã. essa coisa, tão simples, de ser bom viver ao lado do outro..

mas, depois do amor, depois do riso e da tontice, há algo muito mais sério que liga duas pessoas: o que somos um para o outro. há quem lhe chame energia, karma, força. pouco importa o nome. mas é esse papel, de suporte, que marca para a vida duas pessoas. quando, em algum instante, fomos uma ajuda num momento mau, fomos uma inspiração, quando abrimos barreiras, quando de alguma forma ensinamos o outro: a viver, a amar, a ser. e não em jeito de professor, de guia, ou de ser superior. pelo contrário, na forma mais humilde de ajudar, que é apenas estar ao lado, sempre, a dar a mão, a incentivar, a fazer acreditar.

o orgulho maior que se pode ter no que somos para alguém, é quando nos dizem que somos a força que segura, que somos a energia que faz sorrir. que somos quem ajudou a sair de um momento difícil, seja da saúde ao trabalho, à família, ou ao complicado que a vida ás vezes é. amar alguém é muito mais que sentimento, e tem a ver com essa dedicação, essa preocupação permanente em saber do outro. é estar atento a cada detalhe, desde o tom da voz, ao brilho dos olhos, ou - tão importante - à forma como um corpo se dá ao abraço. estamos de verdade ligados, quando se sabe ler o outro neste momentos. seja um filho, um pai, ou um amor,  é isso que nos liga para a vida - muito mais que os sentimentos, é o estar presente sempre. sem querer nada em troca. porque quando se ama, poder estar ao lado a puxar a mão já é a maior felicidade que se pode ter. sorte a minha, de o poder fazer todos os dias..

:: sempre mais

fevereiro 07, 2016


gosto de viver apaixonado. é tramado, às vezes complica, mas é a única forma de fazer valer a pena cada hora do dia. sou apaixonado pelas pequenas coisas da vida: aquele nascer do sol na janela, o cheiro do café da manhã, as gotas da chuva no vidro do carro, a imagem da ponte com o mar ao fundo, a música alto e eu a assobiar, a música baixo e eu a olhar-te. gosto de treinar os sentidos para estarem todos alerta, todos a apanhar os pequenos momentos que fazem um dia sempre diferente, sempre qualquer coisa mais bonita, mais doce, mais salgada. mais intensa. é isso que é viver apaixonado: é ser intenso. é ser sempre mais..

complica? muito. dá trabalho? porra, se dá. mas é tão bom. e é simples - é uma questão de gestão. é saber equilibrar uma vida entre a responsabilidade, os compromissos, a brincadeira, a parvoíce, o amor estável e forte, e a paixão, louca e bipolar. viver apaixonado não é andar sempre nas nuvens. pelo contrário, é andar bem assente na terra, mas todos os dias, no mais pequeno detalhe, sentir aquela emoção, e viajar, nem que seja por segundos, ao mais longe dos destinos. irritam-me as pessoas que baseiam a vida apenas no racional. ficam previsíveis, monótonas, sisudas, mesmo no maior sorriso - porque é lógico. e eu gosto mais dos risos puros, sem lógica, sem motivo aparente, só porque sim, só porque do meio do nada veio aquele aperto no peito, aquela vontade de rir, seja do nervoso do momento, da emoção, ou apenas do toque de um olhar que se cruza em nós.

porque bom mesmo é viver apaixonado por alguém. primeiro pela pessoa que somos. às vezes erramos, às vezes distraímo-nos, mas saber sempre que gostamos do que somos. e do que fazemos acontecer nos outros. depois, ser apaixonados pelos filhos. são tão mais bonitas as pessoas que vivem apaixonadas pelos seus. emocionam-me. como tu. e acredita, bom mesmo é viver apaixonado por ti. chega a ser irritante dizer-te sempre que te vejo: 'estás linda!'. mas porque estás verdadeiramente. pelo menos aos meus olhos. sabes, a voz embargada quando te digo que te amo, depois de acordar contigo, é pelo espanto, cada dia sempre novo, de como é bom sentir-te. como se o peito tivesse sempre um pouco mais cheio, um pouco mais feliz. sempre um bocado mais. é isso que somos: sempre mais. é isso que me embarga o amo't. e é tão bom..

:: não mudes

novembro 22, 2015


é quando amamos que revelamos o nosso maior egoísmo: querer que o mundo seja à nossa imagem. erro tão puro, de quase inocência, mas tão grande, de quase cegueira. é que a forma como gostamos, ou entregamos, é apenas isso - a nossa forma, que não é repetível por mais ninguém. por isso não o podemos esperar que aconteça, e muito menos exigi-lo. arrepia-me a alma sempre que alguém diz que quer mudar o companheiro. tanto egoísmo, mas mais que isso, tanta burrice. porque somos o que somos, e só por nós podemos mudar. assim, olhem para quem vos quer como a pessoa que é, com os defeitos e virtudes que tem, com a forma de entregar, de mostrar, de dizer que tem. é essa que podem contar para sempre. o resto é apenas a vossa ilusão do que outro é.

por isso, o elogio mais bonito que alguém pode dar ao companheiro é pedir para que não mude. nada. que fique exactamente como está, porque é assim que se descobriu a atracção, a ligação, a intimidade. foi assim que se descobriu o amor. claro, que com a vida, todos mudamos um pouco cada dia. mas aí, é algo que vem de dentro e não que é feito por pedido de alguém. quando duas pessoas estão juntas e mudam porque o outro pede, estragam-se. anulam-se. matam-se um pouco em cada mudança. quando duas pessoas estão juntas e naturalmente, cada uma, muda sem quase ter consciência que está a mudar, aí sim, crescem, amadurecem, ficam melhores pessoas. juntas.

foi assim que fiquei mais homem, mais amante, melhor companheiro, e até, admito-o, mais confiante. não porque mo pediste, mas porque mo despertaste. não porque algum dia disseste: muda isto ou aquilo, mas pelo contrário, por saber que era tanto para ti, que passei a confiar mais no meu instinto. foi assim que ficaste mais mulher, menos fechada no teu mundo, menos gajão, e até, tens de admiti-lo, mais feliz com o amor. não porque te pedi alguma vez que o fizesses, mas porque descobriste, por ti, que havia outra forma de entregar o olhar, o beijo, e até o corpo.
é bonito vermos no espelho a imagem a mudar e gostarmos do que vemos. mas mais, sabermos que é por ter alguém especial ao nosso lado, que nos potencia o que éramos no ponto de partida. podem haver mil problemas, indecisões, mágoas, dificuldades, mas quando sabemos que crescemos juntos, que somos melhores pessoas juntos, a viagem é sempre única. e esta mudança sim, mais que as palavras, ou o amor, fica para sempre.


:: parte de mim

setembro 17, 2015


há coisas na vida que se gostam.
que nos sabem bem ao sabor, aos sentidos. coisas que nos fazem felizes por momentos, ou por dias. uma música, um jantar realmente bem feito, uma paisagem ao por do sol, umas férias - curtas ou longas, aquele casaco no primeiro frio do outono, ou aquela camisa de linho nas primeiras noites quentes de maio. ou o toque dos pés na calçada quente nessa mesma noite. momentos que se vivem por minutos ou horas, mas que nos dão sensações de prazer, que ficam na memória curta e que nos fazem dar sentido aos dias: adormecemos com aquela imagem de um dia bem passado, bem vivido. e um sorriso feliz.

depois há coisas na vida nos preenchem.
o abraço da família, o riso dos amigos, um olhar de ternura quando se tem um gesto bom, uma mão que toca, quando se diz adeus. mais que momentos que se vivem, são sensações que despertamos nos que rodeiam. interacção bonita esta de dar e receber, de soltar risos em alguém, de emocionar alguém. uma brincadeira no trabalho, um telefonema na parvoíce, o permanente divertir, provocar, sentir quem nos rodeia. quase defeito, esta procura permanente de perceber o outro em frente, de o animar, de o confortar. ou simplesmente de cuidar. são especialmente bonitas as pessoas que se perdem a cuidar dos outros, dos que nos pertencem, sejam família, amigos, sobrinhos, ou apenas próximos. porque são esses momentos que nos dão sentido à vida: adormecemos com a sensação terna que fizemos o nosso melhor por alguém, que fomos o melhor de alguém.

mas único, são as pessoas que nos fazem completos.
sim, porque podemos ser felizes, ter o coração cheio, podemos ser independentes de todos, mas no fim do dia, há uma coisa que nunca seremos sozinhos: completos. podem vir mil filósofos das teorias modernas da independência, mas quem já amou de verdade, entende bem o que digo. porque quando se conhece a outra metade de nós, percebemos que fomos feitos assim: apenas metade. na espera do outro encaixe, da peça do puzzle que fica ali, exactamente no abraço perfeito, no corpo que se sente colado, no beijo que é energia, na pele que se toca e dá choque.

não é alguém igual a nós, isso é a nossa cópia. não, mais que isso, é alguém que sendo diferente, tem os pontos de encaixe perfeitos em nós. que tanta vez dão faísca, que arranham com as dificuldades da vida, que magoam com as merdas que fazemos torto, que quase partem com os timings errados. mas é a única peça em que sentimos o alívio estranho de que não há mais nada para ver, para procurar. aquela em que para estar em sossego, apenas precisamos do nosso canto, os dois, sozinhos. em que a conversa nunca acaba, o riso é sempre parvo e bonito, o amor é sempre lamechas e exagerado, em que o desejo é sempre louco e permanente, só superado pelo sossego do sono junto. são esses momentos, tão simples - basta eu e tu - que me dão sentido ao corpo: em que adormeço com a certeza rara que é ali, parte de ti, que sou maior. 



:: desejar

agosto 13, 2015


preciso de te desejar, de te querer, de ter vontade de te amar o corpo, todos os dias, todas as horas. faz-me sentir vivo. faz-te sentir bonita. basta um bocado da tua pele a tocar na minha, uma mão que pouso mais forte na tua perna, um abraço que prende mais na tua cintura, um dedo que te toca naquele ponto preciso do pescoço.. ou apenas um olhar que se cruza entre um lábio mordido. e depois ficas com aquele teu sorriso, em jeito de aviso: pára se ser assim, tarado! e lá continuamos o dia, com aquele sabor a metal a ficar na boca, a dizer que logo mais, quando tivermos tempo, e cabeça, nos vamos amar. mas o desejo, esse, está lá. fica lá. vive lá. a toda a hora. porque é também uma forma muito bonita, e muito necessária, de se amar.

irritam-me as teorias que dizem que há horas, rituais, modelos, regras para se amar. que tem de haver um mínimo e um máximo por semana, uma hora ideal, uma posição, aqueles preliminares, ou aquelas técnicas. foda-se, o desejo, quando existe, não precisa de tanto disfarce, nem de tanto impulso: solta-se logo que pode, como um leão fechado numa jaula, sempre a rugir, sempre a querer, sempre faminto. não só do corpo, mas acima de tudo da alma. porque o desejo que estou a falar não é apenas o físico. não, é o outro. que mais do que carne, quer emoção. mais do que prazer, quer entrega. mais do que gritos mudos, quer olhares perdidos no outro.

entendes por isso, porque te desejo sempre? quando sobes as escadas à minha frente e me deixo ficar um passo atrás, apenas para te ver subir degrau a degrau. quando te vestes pelo corredor da casa e fico a ver a roupa a vestir e despir o teu corpo. quando tomas o café na cozinha e os teus pés deslizam pelas minhas mãos, por baixo do balcão. quando te incendeio, apenas a descrever a minha vontade de ti, no meio do jantar, naquela esplanada sobre o rio. ou quando te agarro o pescoço, em qualquer elevador, apenas para te parar o olhar no meu. ou mais sincero ainda, quando acordas nua, ao meu lado na cama. o sol na tua pele, aquece a minha. o teu jeito vagaroso de te espreguiçares, as tuas pernas esticadas pela cama, o teu pescoço a rodar lentamente, até me veres o sorriso. até me sentires o sabor da manhã nos teus lábios. até te dizer bom dia, com o meu desejo..


:: a arte de oferecer

agosto 05, 2015


a arte de oferecer um sapato é mais elaborada do que se pode pensar. ou pelo menos, a arte de deliciar-se a oferecer uns sapatos a uma mulher. primeiro as coisas básicas: tem de ser uma surpresa, inesperada. impagável os gritos de susto bom quando ela abre o saco, ou quando vê uma caixa vermelha de laço discreto em cima da mesa. aquele grito meio surpresa, meio alegria, meio criança babada, meio mulher excitada. depois tem de ser diferente: não pode ser mais um sapato, nem um sapato qualquer. tem que ser aquele sapato que marca a diferença. ou pelo sapato em si, ou porque já foi desejado numa montra, ou porque tem a cara de quem o calça. mas sempre diferente do que já existe. mais um salto alto preto não conta. tem que ser ou mais alto, ou mais inclinado, ou mais vermelho, ou mais tigresse. mas sempre mais. ah, e nota importante: nunca oferecer o sapato na loja. guardar memória fotográfica do modelo, e voltar umas horas depois sozinho. é a diferença entre oferecer e saber oferecer.

depois o enquadramento da oferta. sim, porque não basta chegar a casa e entregar o saco, tipo, toma lá, gosto tanto de ti, mereces tudo. não!! porque se realmente merece tudo, temos de de criar o ambiente certo: antes daquele jantar a dois, ou a meio do cafe antes de almoço, ou naquele bocado de fim de tarde no sofá. porque a mulher precisa de respirar a oferta. olhá-la primeiro, vê-la, emocionar-se, gostar. uns minutos depois pegar nos sapatos, calçá-los nos pés, desfilar pelo corredor, ver-se no espelho, dançar com os sapatos. e outros longos minutos depois, agradecer da forma mais bonita, ainda com os sapatos nos pés. é preciso tempo para oferecer uns sapatos. e quanto mais especiais, mais tempo é preciso guardar. para que se respire o sapato. e a dona dele.

mas primeiro que tudo, o actor principal: o pé. o sapato é apenas o motivo, mas a estrela é o pé dela. os dedos discretos, mas com personalidade, aquela curva perfeita, esguia, quase seda, ao longo do pé, a terminar no calcanhar suave, cintado no tornozelo, onde se acaricia como a um pulso. tanta beleza precisa de um encaixe perfeito - um sapato que seja luva. por isso importante saber o tamanho exacto, quase conseguir desenhá-lo com a mão. porque não há nada mais bonito que ver o teu pé a encaixar no limite perfeito da curva do sapato. são dois presentes que oferecemos num só: o sapato, e ela saber quão veneramos detalhadamente todo o corpo. três presentes aliás, porque o melhor é o meu: quando fico ali, na delicia de te ver, e ao teu pé, a calçar e descalçar, a brincar, a dançar, a desfilar. quando gritas de surpresa, quando ris de gozo, quando andas pela sala só para te exibires para mim, com o sorriso maroto de quem sabe o que me faz feliz..

:: o meu sorriso

julho 25, 2015



fechamos o jantar ao balcão, enquanto bebemos o último gin. conversamos sobre nada, até que te explico no guardanapo um modelo hipotético dos eixos x e y da nossa relação. mostro-te a fórmula e as variáveis que contam: o que somos, o que vivemos, o que gostamos, o que nos liga. concordas com os índices, atribuís o teu valor ao x e ris-te sobre a hipótese. quando o riso acaba, mordes o lábio instintivamente enquanto me olhas a boca. inclinas um pouco a cabeça, e com o teu lábio a tremer dizes que me amas. pedes a conta e as chaves do carro. queres ir para casa. dizes que é o meu sorriso inteligente, que te desperta o desejo.

pegas-me na mão, abres a porta, ligas a música e o candeeiro do chão. suspiro-te ao ouvido que estás linda nesses saltos, aperto-te a cintura com um braço e com o outro prendo-te o pescoço. o beijo demora mais, a respiração fica mais intensa, o teu corpo cola-se ao meu. a roupa cai e deixa nua a tua pele. deito-te na cama e percorro cada bocado de ti com a minha mão. lentamente. o teu peito, os teus braços esguios, o teu pulso do tamanho da minha mão, a palma da tua mão na minha. lentamente. o teu pé, de curva inclinada perfeita, as tuas pernas longas, a tua coxa próxima, quente. quase louco o magnetismo que o teu corpo solta quando lhe toco. depois beijo-te, aperto-te, rodo-te, puxo-te. toco-te. amo-te. em vagas de ritmo. às vezes mais lento, outras vezes mais demorado. paro no teu olhar sempre que tenho a ideia mais louca. solto um riso, gozo com a tua cara de espanto maroto, e fico-me ali, a ver-te no prazer do que te faço. dizes que é o meu sorriso safado, de boca mordida no gemido baixo, que te excita o desejo.

entre cada vaga de ritmo louco, de safadisse doce, o teu olhar cruza o meu. e não vejo só prazer. e não vejo só amor. vejo mais, vejo aquilo que não se explica, a intensidade do que não se sabe onde nasce, apenas sabe que se vive ali. naquela fusão de dois corpos que se entregam, que se deleitam no prazer, que se amam, não pela carne, não pelo desejo, mas pela alma. como quando no meio do ritmo mais louco, paramos. quietos. imóveis. o silêncio da música, apenas o meu respirar ainda ofegante na tua cara. e as palavras que saem lá do fundo, sem filtros, nuas, como nós. e a lágrima de emoção que escorre, que cai lentamente enquanto te abraço, enquanto te aperto, enquanto te amo mais uma vez. e ficamos ali, horas, entre risos safados, prazer sôfrego, e paixão lânguida. dizes que é o meu sorriso doce, de brilho nos olhos, que te emociona o desejo.

:: escolher amar

junho 22, 2015



'és viciante' é um elogio perfeito. mas que tem tanto de bom, como de mau. é como amar: é a coisa mais simples da vida, mas também a mais difícil. porque, tal como no vício, quando se gosta é fácil deixar-nos levar no prazer do imediato - o riso é sempre fácil, a alegria anda sempre por ali, aquele olhar que é sempre o mais doce, aquele corpo que é sempre o mais quente. é fácil apenas amar. o difícil é continuar a amar. porque, tal como no vício, rapidamente podemos ficar dependentes, esfomeados a cada segundo, carentes a cada minuto, a precisar das palavras, dos beijos, das músicas, do sexo feito carinho. puro vício que se instala, e que chega a ser irritante na falta do outro - aqueles momentos estúpidos em que inventamos desculpas só para poder ouvir, olhar, abraçar a outra metade de nós.

mas mais que amar, é preciso escolher amar. que são coisas diferentes. porque amar é apenas esse vício espontâneo, entre risos e vontades do dia. já escolher amar é uma decisão permanente: é assumir um compromisso que tem de aguentar os momentos bons e os maus. os favores do destino - quando nos juntam, e os contratempos da vida - quando nos separam. é a diferença entre a vontade que se sente num momento - que dispara em gestos fáceis: "beija-me, ama-me e abraça-me depois"; por oposto a uma intenção que se pensa para a vida - que se faz de gestos eternos: "beija-me, ama-me e dá-me um filho"..

é por isso que tenho tanto orgulho nas pessoas que têm coragem de escolher amar. como tu, como eu. vai ser fácil? não. podemos dar grandes quedas? de certeza. aliás, já demos tantas, até cicatrizes já temos. daquelas que doem sempre que se tocam, mas que se sabem apenas parte da escolha. e vive-se sossegado mesmo nos dias maus, porque se tem a certeza de um caminho: cheio de curvas, de cruzamentos traiçoeiros, até de estradas por fazer. que dá trabalho, que cansa, que nos deixa frustrados quando não conseguimos avançar. mas que é o nosso, pensado para a vida - feito de gestos que serão eternos: por isso, vem, beija-me, ama-me e dá-me um filho..

:: apanha-me, se conseguires.. que eu gosto

maio 29, 2015



às vezes temos de saber não nos levar a sério. especialmente nas coisas sérias. o saber brincar, o saber falar com ironia, desdramatiza, mas acima de tudo, desarma. e esse deve ser o clic mais fácil para arrancar um riso: desarmar alguém. no meio das declarações mais profundas, se soubermos ser irónicos, tornamo-las inesquecíveis. dizer a frase mais séria e apaixonada, mas conseguir soltar uma gargalhada no fim, é a declaração perfeita. mistura inteligência, paixão e bom humor - touché. o mesmo quando se faz amor. misturar a luxúria e o desejo, com carinho e ternura, é perfeito. mas se ainda por cima conseguirmos rir durante aquilo tudo.. - touché touché.

nas conversas, além da ironia, gosto também de chamar nomes. porque é uma forma honesta, mas leve, de dizer - porra, gosto de ti pá, mas está a irritar-me! há uma lista grande de palavras (idiota, parva, xoné, estúpida..), que ditas com o sorriso certo, tem uma forma carinhosa, quase doce, de insultarmos alguém. não é uma queixa, é uma constatação. como na primeira vez em que te disse "amo-te". lembro que estava difícil, porque nenhum de nós queria ir por ali. armados em independentes, muito seguros que o nosso coração não se deixava ir assim em poucos dias. raios partam, afinal quem eras tu para me deixares assim de quatro? mas deixaste. e lá me fugiu a palavra da boca, mas sempre nesse misto quero-te/irritas-me. ias a sair do carro, segurei-te a mão, e disse-te nos olhos: "amo-t, idiota" - e tu ficaste com um sorriso lindo. desarmado..

por isso me diz tanto esta música: este permanente - "sou bom/boa demais para ti, mas quero-te comigo, porque és tu que sabes mexer-me nos botões certos" - quase uma provocação, desprezo de brincadeira, vontade contida, mas sintonia tonta. sempre que a ouço, apetece-me pegar em ti, apanhar-te pela cinta e morder-te o pescoço. sei que vais dizer "larga-me", desatas a rir, e pulas pela casa a fugir de mim. e lá vamos nós, jogamos à apanhada, entre provocações, picanço genuinamente bom, gargalhadas parvas e sempre aquele olhar de crianças traquinas, a dizer: "apanha-me, se conseguires.. que eu gosto" 

FOLLOWERS